domingo, 19 de junho de 2011

Ciganos ainda são "povos invisíveis", avaliam estudiosos








Apesar de viverem no país desde o século 16, os ciganos ainda são uma parcela da população pouco conhecida pelos brasileiros e até mesmo pelo Poder Público. Faltam informações oficiais precisas sobre o número de ciganos que vivem no território nacional. As estimativas variam de 800 mil – a mais adotada por órgãos do governo e entidades não governamentais – até 1,2 milhão de pessoas.

A Agência Brasil publica nesta terça-feira (24) uma série de matérias para mostrar um pouco dos costumes e da história desse “povo invisível”, como definem estudiosos do tema, representantes do governo e os próprios ciganos. De acordo com o diretor executivo da Pastoral dos Nômades, padre Wallace Zanon, os ciganos ainda não têm seus direitos respeitados. “Eles ainda estão um passo atrás, pois nunca foram reconhecidos.”

Para a presidenta da Associação Cigana das Etnias Calons do Distrito Federal e Entorno, Marlete Queiroz, há descaso tanto da sociedade e quanto do governo. “Os ciganos fazem parte de um Brasil invisível.”

O desconhecimento acaba levando à discriminação contra esses povos, tratados, muitas vezes, como ladrões e vagabundos. Um dos exemplos do preconceito está guardado no arquivo histórico do Senado Federal: o Decreto 3.010, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas em 1938, um ano após instalação do Estado Novo. A norma restringia a entrada de estrangeiros no país e impedia que “indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres” ingressassem em território brasileiro.

No Brasil, atualmente, predominam três clãs ciganos: os Rom (vindos da ex-Iugoslávia, Sérvia e de outros países do Leste Europeu), os Calom (que vieram da Espanha e de Portugal) e os Sinti (vindos da Alemanha, Itália e França).

Entretanto, não há consenso entre esses grupos sobre a identidade cigana. “Calom não é cigano, é brasileiro que quer ser cigano”, afirmou o rom Maicon Martins, descendente de iugoslavos.

Residentes em Caxias do Sul (RS), os Martins não perderam o hábito de fazer do comércio sua principal atividade econômica. Eles também mantêm o costume de viajar pelo país em grupos familiares. A reportagem da Agência Brasil encontrou a família de Maicon em um centro comercial afastado da região central de Brasília. Ele e mais 15 parentes vieram para a capital federal em cinco caminhonetes de luxo. Apesar de o nomadismo não fazer mais parte de suas vidas, Maicon diz que as viagens ajudam a preservar a identidade cultural.

Líder de uma comunidade Calom, Elias Alves da Costa confirma a discriminação sofrida pelo seu clã. “O cigano Rom é rico e o Calom é pobre. Eles [Rom] acham que só eles são ciganos, mas nós também somos.”

Segundo ele, o que diferencia um clã de outro é a cultura. Diferentemente dos Rom e dos Sinti, os Calom não cultuam Santa Sara Kali e adotaram Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, como sua santa protetora.

A língua também é um diferencial. Os Rom e os Sinti falam o romanês (língua dos ciganos). Os Calom falam o shib kalé, uma fusão do romanês com o espanhol e o português. Os ciganos que vivem no Brasil também falam português.


Daniella Jinkings e Marcos Chagas
Da Agência Brasil
Em Brasília 

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-05-24/ciganos-ainda-sao-%E2%80%9Cpovos-invisiveis%E2%80%9D-avaliam-estudiosos 

Denúncia de preconceito contra ciganos em escola no DF permanece sem solução

24/05/2011 - 10h12
Da Agência Brasil
Em Brasília
Daniella Jinkings e Marcos Chagas


A Justiça do Distrito Federal tenta esclarecer um caso que envolve a diretora de uma escola pública e uma criança cigana e que acabou afetando uma comunidade de 150 pessoas na zona rural de Planaltina, a cerca de 40 quilômetros de Brasília. Registrada em 14 de abril de 2010, a denúncia ficou parada durante mais de um ano na Polícia Civil do Distrito Federal. Na semana passada, o delegado responsável enviou as informações colhidas para o Juizado Especial Criminal de Planaltina, que decidirá se abre processo penal contra a diretora ou arquiva o caso.

Santa Sara Kali e o Povo Cigano

Altar pessoal de Kaliandra Kali
      
 
 
 
 
O povo cigano é envolvido de mistérios. Da Lua Cheia, retira a magia; da dança e da música, toda a alegria; da natureza, a força e a energia. E para Santa Sara, ou Sarah Kali (pronuncia Kalí), ele volta sua fé, seus pedidos e seus agradecimentos.
A religiosidade faz parte da vida dos ciganos, desde o nascimento até a morte, e para poderem cultuar seus santos sem serem vítimas dos preconceitos dos não-ciganos, costumavam se converter à religião dominante do local em que se estabeleciam. Então, os grupos que foram para a Europa se declararam católicos e se ligaram a Santa Sara que tinha origens misteriosas e a pele morena, como eles.
Para desvendar um pouco do mistério que acompanha Santa Sara e descobrir porque ela é tão venerada pelos ciganos, é preciso voltar ao tempo. Ela é considerada uma santa católica, mas não passou pelos processos de canonização desta igreja. Também se liga a uma forte tradição européia medieval, o culto às virgens negras. Muitas santidades femininas, representadas por estátuas negras, foram adoradas durante toda a Idade Média. Durante a Santa Inquisição, os ciganos eram considerados bruxos e eram marginalizados pela igreja. Para que Santa Sara Kali fosse santificada pela igreja católica, foi preciso trocar sua origem cigana, para de escrava egípcia. Não se conhece a razão exata que levou os ciganos a eleger Santa Sara como sua padroeira.
Os dias 24 e 25 de maio são consagrados ao culto da Santa. Para os ciganos, a peregrinação festiva até Camargue, para a adoração da santa, é uma tradição sagrada e secular. Milhares de ciganos de quase todas as regiões da Europa, África, Oriente e dos quatro cantos do mundo, reúnem-se na pequena igreja de Saint-Michel em louvor e homenagem a Sara.
Uma semana antes da festa, numerosas clãs e grupos ciganos, vindos de todas as partes do mundo, chegam à região para a procissão. A figura da santa negra é transportada no andor pelas ruas da vila e a viagem termina nas águas do Mediterrâneo.
A passagem dos ciganos por aquela vila francesa não tem apenas um objetivo religioso. Durante cerca de uma semana os ciganos mostram o que a sua cultura tem de mais belo e tradicional, com os ciganos a encher as pequenas ruas de Saintes-Maries-de-la-Mer com a música e as danças tradicionais. Os terrenos em redor da vila são totalmente ocupados pelos acampamentos ciganos. Mas, salvo raras exceções, as carroças de tração animal do passado deram hoje lugar às cômodas "roulottes" (ou traillers), com televisão e parabólica puxadas pelos últimos modelos das mais conceituadas marcas automóveis. E todos os anos, no dia 24 de Maio, a história repete-se...

O Local da Peregrinação:
No sul da França, entre os rios Grand Rhône e Petit Rhône, situa-se a planície dos alagados de Camargue.
Camargue tornou-se célebre pelas festas que acontecem na cidade de LES-SAINTES-MARIES-DE-LA-MER, pacata vila com cerca de três mil habitantes, região de Provence no sul da França; pelo seu caráter religioso e peregrino. A serenidade da localidade é abalada com a chegada dos cerca de dez mil ciganos, que conseguem trazem a cor, o odor e o som característicos.

Histórias ou Lendas?
Segundo alguns historiadores, por volta dos anos 50 d.c, uma embarcação teria cruzado os mares a partir de terras Palestinas levando a bordo para fugir das perseguições de Roma aos primeiros cristãos, um grupo de personagens bíblicos: Maria Jacobina ou Jacobé, irmã de Maria, mãe de Jesus, Maria Salomé, mãe dos apóstolos Tiago e João, Maria Madalena, Marta, Lázaro, Maximiliano e Sara, uma negra serva das mulheres santas e aportado em uma pequena ilha situada em águas do Mediterrâneo. Milagrosamente, a barca sem rumo e à mercê de todas as intempéries, atravessou o oceano e aportou com todos salvos em Petit-Rhône, hoje a tão querida Saintes-Maries-de-La-Mer. Sara cumpriu a promessa até o final dos seus dias. Sara teria sido uma das primeiras convertidas ao cristianismo e morrido a serviço de suas companheiras de viagem.
Uma outra versão contada é que Sara era uma escrava egípcia de uma das três Marias, Madalena, Jacobé ou Salomé; e junto com José de Arimatéia, Trófimo e Lázaro foi colocada, pelos judeus, em uma barca sem remos e alimentos. Desesperadas, as três Marias puseram-se a orar e a chorar. Aí então Sara retira o diklô (lenço) da cabeça, chama por Kristesko (Jesus Cristo) e promete que se todos se salvassem ela seria escrava de Jesus, e jamais andaria com a cabeça descoberta em sinal de respeito (acredita-se que deste gesto de Sara Kali tenha nascido a tradição de toda mulher cigana casada usar um lenço que é a peça mais importante do seu vestuário: a prova disto é que quando se quer oferecer o mais belo presente a uma cigana se diz: Dalto chucar diklô (Te darei um bonito lenço)). Talvez por um milagre, ou por obra do destino, eles chegaram a salvo a uma praia próxima a Saintes Maries de La Mer. Depois de muitos dias, o barco foi resgatado por moradores de uma vila próxima aos arredores da costa marítima. Todos, por serem brancos, foram acolhidos, exceto Sara, por ser escrava (egípcia) e negra. Um grupo de ciganos a fez, pois estavam nas proximidades e presenciaram o fato. Sendo assim, passaram a cuidar de Sara, que, com sua morte, posteriormente, os mesmos passaram a recorrer com pedidos à mesma, por ter sido uma pessoa querida em vida, e esta, os atendeu em espírito, realizando milagres. A partir disso, Sara se tornou Mãe e Rainha dos Ciganos, honrando-os e protegendo-os. O surgimento de sua capela - foi criada após a sua morte. Quando veio à falecer, os Ciganos foram até a igreja da vila pedindo que seu funeral se realizasse na mesma. Devido ao preconceito, os católicos da época recusaram. A partir de então, foi feito uma espécie de gruta/igreja para Sara, visitada até os dias de hoje. Quando em 1935 a Igreja tirou Sarah de sua Cripta, muitos ciganos se aplicaram à prova do punhal (punhal avermelhado no fogo sobre a veia do pulso). Diz-se que o Sol queimou o olhar de Sarah.
Quando o número de ciganos aumentou, a Cripta não deu para todos, e foi feito um acordo entre um gadjo chamado "Marquês de Baroncelli" e um cigano chamado "Cocou Baptista", um chefe cigano muito influente. Até um certo tempo o acordo foi cumprido, mas os seus sucessores não levaram o trato a diante. Este chefe cigano foi usado, simplesmente um instrumento do gadjo, ele foi renegado e expulso pelo povo cigano.

Os ciganos de origem Calon, com o passar dos anos, alteraram algumas palavras da língua regional do povo cigano. Devido a estas alterações, houve algumas modificações idiomáticas no significado das palavras. Entre elas, podemos citar a palavra Kalin, que em Calon representa a palavra "cigana". Já para os ciganos que ainda preservam a língua regional, Kali representa negra. Há algum tempo, existe esta confusão idiomática, envolvendo a cor da pele da Santa.Para os Calons, seria Santa Sara Kalín (a cigana) e não Santa Sara - a negra. Paralelamente, a história de Sarah chegou à Índia, onde os ciganos a associaram à deusa Kali, negra, poderosa, transformadora.
Outra versão conta que Sara era moradora de Camargue e teve piedade das Marias, resolvendo ajudá-las. Também dizem que ela era uma rainha das terras de Camargue ou uma sacerdotisa do antigo culto celta ao deus Mitra. Uma das explicações para estas histórias é que em Camargue existiram várias colônias de antigas civilizações, como a egípcia, a cretense, a fenícia e a grega. Por isso, muitos poetas e menestréis contaram a história de Sara, de acordo com o que ouviram de seu povo, e assim, o mito em torno dessa poderosa santa foi difundido pelo mundo e ela continua, até hoje, a ser adorada entre as comunidades ciganas. Nos dias atuais, a santa padroeira dos ciganos é comemorada com muitos rituais e tradições por mais de 15 milhões de ciganos espalhados em diferentes pontos da Europa, Ásia, África, Austrália e Nova Zelândia.
Para preservar a história original de Santa Sara Kali, é necessário lembrar que a igreja católica santificou-a como SANTA e, que é dessa forma que o povo cigano a cultua (e não em rituais).
Aqui no Brasil, Santa Sara divide a preferência dos ciganos brasileiros com Nossa Senhora Aparecida e São Jorge Guerreiro. Os ciganos brasileiros adoram Nossa Senhora de Aparecida, talvez por causa de sua cor, e muitos a equiparam à Santa Sara Kali. Se não têm a imagem dela, por ser difícil encontrá-la, por certo possui em sua Thiera (barraca) ou casa uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Às vezes têm as duas.
Certo é que ela é a mais venerada Santa para os ciganos e todo acampamento cigano conduz uma estátua da virgem negra depositada num altar de uma das tendas cercadas por velas, incenso, flores, frutas e alimentos.
Atualmente, as relíquias da Santas: Sara, Maria Jacobé e Maria Salomé, encontram-se na capela alta da Igreja de SAINTES-MARIES-DE-LA-MER; uma construção erguida desde o século IX, no antigo local do oratório dos discípulos. Contam-se as lendas que os restos mortais de Sara foram encontrados por um rei em 1448 e depositados na cripta da pequena Igreja de Saint-Michel.
No local são cumpridas promessas, feitas à Santa Sara Kali. Milhares de velas acesas são oferecidas à Santa. Em conseqüência disto, o calor torna-se intenso, não sendo possível às pessoas permanecerem muito tempo no local. Dizem até que o gás carbônico liberado pela queima das velas tornou a imagem da Santa Sara Kali escura, havendo até uma modificação na crença da cor da pele da Santa.
Além de trazer saúde e prosperidade, Sara Kali é cultuada também pelas ciganas por ajudá-las diante da dificuldade de engravidar. Para as mulheres ciganas, o milagre mais importante da vida é o da fertilidade porque não concebem suas vidas sem filhos. Quanto mais filhos a mulher cigana tiver, mais dotada de sorte ela é considerada pelo seu povo. A pior praga para uma cigana é desejar que ela não tenha filhos e a maior ofensa é chamá-la de DY CHUCÔ (ventre seco). Talvez seja este o motivo das mulheres ciganas terem desenvolvido a arte de simpatias e garrafadas milagrosas para fertilidade.
Muitas que não conseguiam ter filhos faziam promessas a ela, no sentido de que, se concebessem, iriam à cripta da Santa, fariam uma noite de vigília e depositariam em seus pés como oferenda um diklô (lenço), o mais bonito que encontrassem. E lá existem centenas de lenços, como prova que muitas ciganas receberam esta graça.
As mulheres ciganas também confeccionam saias, com as quais vestem a imagem da Santa.
A proteção de Sarah confere às pessoas emanações sempre benéficas que representam simbolicamente o ventre da sua mãe, seu sorriso, a irmã e a rainha: a "phuri dai" secreta dos Roms. Dizem que a pessoa de bom coração consegue ver o sorriso na estátua de Santa Sara. Verá que tanto seu sorriso como o dela estarão diferentes. Para os ciganos a estátua de Sara está carregada. Nela se condensam as energias sutis de muitas gerações de ciganos feiticeiros. Ela sempre atende a todos, principalmente às pessoas que têm a intuição mais desenvolvida e usam os oráculos como forma de divinação.
É de costume festejar as slavas (promessas ou comemorações em homenagem a algum santo). A Slava de Sara Kali é nos dias 24 e 25 de maio. A Slava de Nossa Senhora de Aparecida coincide com a comemoração dos gadjés, a 12 de outubro. Na Slava, é oferecido um banquete ao santo homenageado, onde é colocado o Santo do Dia no centro da mesa, em lugar de destaque e junto a Ele, um manrô (pão) redondo, que é furado no meio e onde coloca-se um punhado de sal junto com a vela. Esse pão é posto em uma bandeja cheia de arroz cru, para chamar saúde e prosperidade e, ao término do almoço, ele é dividido entre os convidados pelos donos da casa, junto com essas palavras de bençãos:

THIE AVÊS THIAILÔ LOM, MANRÔ TAI SUNKAI
(Que você seja abençoado com o sal, com o pão e com ouro). 



Texto original autoria de:
Thaís Hélène
Namastê nº 29 - Maio de 2007